Marinha deve permitir que sargento trans use traje feminino e nome social
Em 27 de janeiro de 2022 – Redação
O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou expressão de gênero, já que ela é uma manifestação da própria personalidade da pessoa humana e, como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la.
Com base no entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.275, o juiz Daniel Chiaretti, da 1ª Vara Federal de Corumbá (MS), deu provimento a ação ordinária de obrigação de fazer para que a Marinha autorize uma mulher trans, sargento da corporação, a adotar o nome social e utilizar uniformes e cabelos femininos. Na decisão, o magistrado também condenou a União a pagar R$ 80 mil a título de indenização por danos morais.
No caso concreto, uma mulher trans foi alvo de imposição de licença para tratamento de saúde. Segundo a autora, isso ocorreu para evitar o cumprimento da tutela deferida em decisão anterior sem que tenha sido informado o motivo.
Ao analisar o caso, o magistrado afirmou que os argumentos de ordem administrativa apresentados pela União em sede de contestação não devem prosperar. Um deles era que, quando do ingresso da autora da ação, o concurso em que ela foi aprovada previa apenas vagas exclusivamente masculinas.
“O argumento da União está de acordo com os princípios constitucionais quando estamos diante de casos mais simples. No caso em tela, contudo, não é tão simples. Ao simplificar a questão desta maneira, a União está desconsiderando todas as angústias, fartamente demonstradas nos documentos médicos, que envolveram a transição de gênero da autora”, explicou o juiz.
Nos autos restou comprovado que a transição ocorreu anos após o ingresso da autora na Marinha, de modo que não se poderia alegar qualquer burla ao sistema de concursos públicos ou de promoção no serviço público.
O juiz cita o jurista Adilson José Moreira e explica que as categorias tradicionais do discurso jurídico não dão mais conta de enfrentar as desigualdades estruturais que fundamentam os processos de exclusão na sociedade brasileira, em especial grupos vulneráveis.
“Em sua contestação, a União não conseguiu comprovar qual seria o prejuízo caso a parte autora se apresentasse publicamente de acordo com o gênero com o qual se identifica. Não comprovou quais seriam os prejuízos a terceiros ou em que medida isso poderia influir nas funções que antes executava sem quaisquer problemas. Assim, cotejando-se os princípios em conflito, evidente que se sobressai o direito à identidade de gênero, ficando evidente que a parte autora foi vítima de discriminação, o que enseja a condenação da União ao pagamento de danos morais”, escreveu o magistrado na decisão.
5000410-46.2021.4.03.6004
Por: ConJur