Um mal menor continua sendo um mal
Em 19 de janeiro de 2022 – Redação – Por Sylvain Levy – Médico e Psicanalista
Nos últimos dias tem sido publicadas em jornais e na Internet várias matérias e artigos envolvendo a Psicanálise, tanto no que diz respeito ao “atendimento clínico” como nas questões da formação do analista e da sua profissão.
Foi manchete a acusação contra um pastor de assédio sexual contra senhoras de seu rebanho que procuravam se aliviar de sofrimento e ele ”aplicava” técnicas psicanalíticas. De duas coisas podemos ter certeza: 1. Esse senhor, pela sua conduta, não é nenhum pastor e 2. Pela ausência de formação específica não é psicanalista. É uma fraude e não um Freud.
Já artigos publicados em jornais e revistas denunciam e protestam contra a autorização dada pelo MEC para que a UNINTER, Universidade paranaense de um ex-deputado bolsonarista, instalasse um Bachalerado em Psicanálise por EAD (ensino a distância), com duração de quatro anos e incluindo toda a formação teórica, supervisão de casos clínicos e … análise pessoal. Essa é uma aberração em todos os sentidos. Psicanálise é contato, é vínculo. É vinculo desde o contato inicial com o analista didata que será responsável pela sua análise pessoal; com os supervisores (ao menos dois) que o acompanharão em seus atendimentos durante a formação; com os colegas com os quais trocam experiências e realizam os seminários clínicos de discussão de casos.
Como transferir tudo isso para EAD?
O mais fundamental nesse tripé de formação é a análise pessoal. Como numa instituição fechada pode ser garantida a liberdade de escolha para ambos, tanto para aquele que procura como para aquele que se dispõe a atender? Como atividade libertária, nos institutos de formação psicanalítica ligados ou não à IPA (International Psychoanalytical Association) não existe a obrigatoriedade do analista didata atender a quem o escolhe nem do estudante em formação ser designado a ser atendido por tal ou qual pessoa.
Uma formação em psicanálise nesses institutos dura ao menos 10 anos presenciais e não 4 em EAD.
São conhecidos diversos locais, por todo Brasil, que oferecem “formação em psicanálise”, cada um com suas características mas todos garantindo o título e o livre exercício profissional. Pode ser espantoso, mas não é ilegal. A profissão de psicanalista não tem reconhecimento legal, portanto qualquer um, com qualquer grau de ensino ou mesmo analfabeto, pode alugar uma sala e colocar na porta: Fulano de Tal – Psicanalista.
Infelizmente, se por essa condição específica não é possível colocar um filtro no final do processo de procura de atendimento psicológico, é necessário que esse filtro seja utilizado pelo paciente ao buscar o atendimento. O risco de ser mau e mal atendido em um bem muito precioso que é sua saúde mental, é enorme.
Antes de ser atendido pesquise. Verifique aonde aquele que se diz analista fez sua formação. Você não deve entregar sua mente, suas emoções, seus sentimentos, seus pensamentos a qualquer um. Lembrando ainda que existem outras opções para os cuidados com a saúde mental nos domínios da psicologia e da psiquiatria, no SUS (como o CAPS) e na iniciativa privada. Não se deixe enganar por falsos cantos de sereias.
E pensar que qualquer atendimento é melhor que nenhum equivale a não levar em conta uma observação da filósofa alemã Hannah Arendt, que deu o título a esse artigo: “um mal menor continua sendo um mal”.