STJ declara ilícitas provas obtidas em celular desbloqueado a pedido de policiais
Em 24 de junho de 2021 – Redação com Informações ConJur
Por unanimidade de votos, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem em Habeas Corpus para absolver um réu condenado por tráfico de drogas, crime que só foi descoberto porque policiais acessaram o conteúdo do celular após o suspeito atender a um pedido para desbloquear o aparelho.
As instâncias ordinárias haviam negado a ilegalidade das provas exatamente porque a jurisprudência brasileira indica que, embora os dados do celular estejam protegidos pelo sigilo das comunicações, garantido pela Constituição Federal, não há problema se o próprio dono do aparelho autoriza o acesso.
No caso, os policiais faziam ronda quando perceberam que, ao avisar a viatura, o suspeito que estava estacionado ligou o carro e empreendeu fuga. Ele foi parado em um posto de gasolina, onde passou por revista pessoal e também no veículo. Nada foi encontrado.
Os policiais então pediram para o suspeito desbloquear o aparelho celular. Nele, encontraram fotos de uma mão tatuada segurando drogas. Pediram para ver a mão do suspeito e constaram ser a mesma pessoa. Então foram até a casa dele, onde a família autorizou a entrada dos policiais.
A apreensão de 391 g de cocaína e petrechos levou à condenação de 5 anos de prisão, em regime inicial semiaberto. Relator no STJ, o ministro Rogério Schietti apontou que toda a ação penal se baseia exclusivamente nas informações derivadas do acesso ao celular, cuja narrativa coloca sob dúvida o consentimento dado pelo réu.
“Ora, um mínimo de vivência e de bom senso sugerem a falta de credibilidade de tal versão. Será mesmo que uma pessoa sobre quem recai a suspeita de traficar drogas irá franquear o acesso ao conteúdo do seu celular, onde há imagens com substâncias entorpecentes e com balanças de precisão? A troco de que faria isso?”, afirmou.
Para o ministro, é improvável que é um suspeito abordado por policiais após fuga, com o qual nada se encontre, entregue de boa vontade as provas que vão incriminá-lo aos policiais.
O mesmo vale para a autorização da família quanto ao ingresso dos policiais na residência, mesmo sem mandado judicial. A jurisprudência recentíssima do STJ indica que é preciso comprovar que essa autorização foi dada sem pressão ou intimidação, com indicação inclusive de que deve ser registrada em vídeo e, se possível, por escrito.
“Se, de um lado, se deve, como regra, presumir a veracidade das declarações de qualquer servidor público, não se há de ignorar, por outro lado, que o senso comum e as regras de experiência merecem ser consideradas quando tudo indica não ser crível a versão oficial apresentada, máxime quando interfere em direitos fundamentais do indivíduo e quando se nota um indisfarçável desejo de se criar uma narrativa amparadora de uma versão que confira plena legalidade à ação estatal”, apontou o relator.
Jurisprudência em evolução
A ideia do posicionamento adotado pelos ministros do STJ é limar da prática diária pequenos abusos de direitos fundamentais que, ao longo do tempo, têm sido tolerados pelo Judiciário e se tornado práticas consolidadas.
Como o avanço tecnológico tornou os telefones celulares parte primordial da comunicação e armazenamento de informações pessoais, o STJ tem há muito delineado o que é constitui ilegalidade no trato desses aparelhos quando há flagrante ou investigação criminal. O tema está, também, em discussão no Supremo Tribunal Federal.
Até agora, o STJ entende, por exemplo, que apesar de provas decorrentes do acesso a mensagens sem autorização judicial serem ilegais, elas podem ser renovadas desde que o Judiciário decida de modo fundamentado acerca da perícia, com acesso às informações, que poderão embasar ação penal.
Também validou as provas obtidas pelo acesso à agenda de contatos celular, pois elas não geram a violação à intimidade — o que só ocorreria pelo acesso a mensagens e comunicações. Esse precedente é da 5ª Turma.
Por outro lado, já decidiu que conversas sobre a prática de tráfico de drogas não comprovam a habitualidade do crime. Também anulou provas obtidas porque o policial atendeu a um telefonema no celular do suspeito ou mesmo obrigou-o a aceitar a ligação no viva-voz.
HC 609.221