Racialidade, Racismo e Racionalidade

Em 14 de novembro de 2023 – Por Sylvain Levy – Médico Sanitarista e Membro Associado da Sociedade de Psicanálise de Brasília

É público e notório, utilizando-se jargão batido mas sempre atual, que no Brasil a mortalidade por causas externas ceifa a vida de grande número de jovens e que, segundo as notícias da imprensa, grande parte dessas mortes tem origem na violência cotidiana. Parcela dessa violência decorre dos confrontos entre gangues rivais e fração significativa por conta de intervenções policiais. Um dos fatos mais curiosos e complicados de entender na questão das relações raciais no Brasil são as prisões e mortes de jovens negros e pardos cometidas por policiais, em grande parte, também negros e pardos.

A mortalidade por causas externas em 2021, segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade do DATASUS do Ministério da Saúde, indica números assustadores. Foram 149.322 óbitos por causas externas (acidentes, suicídios, agressões e violências). Desses, 61% ou 91.150 mortes aconteceram com indivíduos pretos e pardos. Comparando esses dados com os da mortalidade geral, o percentual de pretos e pardos alcança 45%, ou seja, é a confirmação de que a população de pretos e pardos está muito mais exposta (ao menos 25%) à violência rotineira que as das demais etnias.

Ainda observando esse grupo de causas externas de mortalidade, a faixa etária entre 15 e 29 anos (adolescentes e adultos jovens) contribuiu com cerca de 30% do total e os pretos e pardos representaram 73% desse contingente. Contrastando com parte desses valores, na mortalidade geral o percentual dessa faixa etária mal chega aos 4% perante o total dos 1.832.649 óbitos, porem, os pretos e pardos contribuem com 66% dos mortos entre 15 e 29 anos. O que traz uma nova questão: pretos e pardos tem menor possibilidade de assistência de saúde nessa e noutras faixas etárias?

Foto Internet

A realidade se evidencia mais espantosa e horripilante quando se faz um corte na mortalidade por causas externas para se analisar, exclusivamente, as causas de óbito por armas de fogo e relacionadas em três categorias: aquelas ocasionadas por armas de fogo de mão; por armas de maior calibre; e por armas de outras categorias e as não especificadas. Nesse estudo se constata que do total de 33.042 ocorrências para essa faixa etária (15 a 29 anos), nada mais nada menos que 26.140, ou 81% são de pessoas pardas e negras.

Sejam os 61% ou 81% as mortes em determinado coorte de uma população, quaisquer desses valores podem ser considerados, pelos padrões universais de direitos humanos, como prática e crime de genocídio nesse grupo populacional específico.

Não se pode confirmar qual porção desses óbitos decorre de intervenção policial, mas pode-se afirmar que a maior parte tem decorrência da participação dos governos, pois ao não desenvolverem políticas e estratégias de oportunidades de estudo e trabalho para os jovens o estado, em suas múltiplas faces, não se desincumbe dessas obrigações e propicia que aumente o conhecido grupo dos “nem nem”, aqueles que não estudam nem trabalham e se tornam presa fácil para atividades não regulamentadas, espúrias ou mesmo de tráfico de drogas, “provocando”, ao se omitir, oportunidades para que desempenhem atividades e tenham acesso a alguma remuneração.

Retornando, porem, a uma das primeiras constatações deste texto: o que leva policiais pardos e negros a matarem jovens pardos e negros com idades próximas as deles? O que os leva a perseguirem, deterem e matarem a seus iguais (não consegui usar o termo semelhantes)?. Não se reconhecem em suas vítimas? Ou se reconhecem e praticam autoextermínio?

O que lhes é ensinado nas Academias de Polícia que os levam a esquecerem quem são e de onde vem? Ou pelo contrário, é essa memorização que se torna tão odienta que o conduz ao extermínio de tudo e todos que lhes lembrem as próprias origens?

As cenas que são publicadas diariamente na Internet espelham e espalham os acontecimentos pelo país afora. Independentemente do partido no governo estadual ou municipal, a pratica policial é a mesma: se for preto ou pardo não é apenas um suspeito mas sim, criminoso em potencial ou já autor de crime e merece assim ser tratado. Não é somente uma atitude conceitual, é parte da estrutura pedagógica de orientação de conduta incutida nos cadetes das academias de polícia. É uma maneira de “estar no mundo” e em um mundo onde a pré-concepção define que se o “elemento” for preto ou pardo ele não é individuo, pois não é individualizado, e é indiscriminado e visto como parte integrante de uma comunidade que é preta ou parda, e pobre. Portanto criminosa em potencial ou já atuante.

É evidente que se não é individuo não pode ser cidadão, aquele com direitos assegurados nas leis. Sendo assim está sujeito ao arbítrio de quem representa o estado, este ente mítico de quem ninguém é dono nem parceiro. Apenas subserviente.

Nessa altura vocês podem perguntar: e onde está a racionalidade escrita como parte do título desse artigo? E eu respondo, em lugar nenhum.

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