O Poder

Em 24 de agosto de 2021 – Redação – Por: Sylvain Levy – Médico Sanitarista e Psicanalista

Quem procura o que não guardou
Quando encontra não conhece
Ditado do interior da Bahia

E este parece ser, precisamente, o caso de Jair Messias Bolsonaro.

Foto Internet

A sua procura pelo exercício do poder é afoita, desconectada e desesperada, como de alguém que jamais o houvesse exercido. Dois dos requisitos do poder são a liderança e o planejamento. Quais as experiências de Bolsonaro com ambos? Praticamente zero.

Jair Bolsonaro foi excluído do Exército Brasileiro quando era tenente (a promoção a capitão veio com a expulsória) e como tal sua chefia se restringia a chefe de seção ou comandante de fração ou ainda, se isso aconteceu, a comandante de pelotão, a menor unidade militar composta de 20 a 50 soldados.

A vivencia como planejador talvez seja ainda mais ínfima, pois em seu posto nas forças armadas não se participa de planejamento operacional nem tático e muito menos estratégico. No Congresso, onde esteve por 28 anos jamais teve um mísero projeto aprovado e transformado em lei.

Ou seja, a sua busca para que seja visto como liderança ou planejador esbarra na constatação que nunca foi nada disso. Portanto, caso se encontrar na posição de líder, não saberá reconhecer essa posição. Sem essas condições resta a ele ser reconhecido como mito – o que prescinde de qualquer razão – e como alguém que detém o poder pela força.

Vale pensar, aqui, nas varias manifestações pelas quais o poder se expressa. O poder da força, desempenhado brilhantemente pelas Forças Armadas. O poder do dinheiro, representado pelas elites financeiras, industriais e comerciais e pelas entidades que patrocinam as eleições de parlamentares e governantes. O poder da crença ou da fé, tão presente em país cheio de religiosidade, como o nosso. O poder das ideias, que consegue convencer até mesmo que a terra plana, que o Brasil já teve governo de esquerda e que o comunismo é uma ameaça para o Brasil. E o poder do afeto, que consegue transformar o ódio em amor e vice versa.

Na impossibilidade de se apresentar como liderança e planejador, Bolsonaro usa de todas essas manifestações para exercer o poder, exceto o poder do afeto, posto que não possui nenhuma condição de empatia que o permita.

Uma das alegações dos convertidos a fé bolsonarista é que Jair Messias Bolsonaro não rouba. Se confrontados com as práticas de rachadinha e de demissões e recontratações em seu gabinete, de funcionários para receber FGTS e direitos trabalhistas (o que configura roubo do erário público) esses mesmo adeptos, tão assertivos e crédulos nos textos bíblicos, respondem que não se pode comparar mensalão e petrolão com rachadinhas, prática, segundo eles, corriqueira em gabinetes de parlamentares.

Porem o oitavo mandamento apenas reza “não roubarás” e não fala que “não roubarás pouco”. Ou seja, para a lei divina não há diferença entre roubar pouco ou muito, deixando essa dosimetria para os homens, com suas justiças. O conceito é um só, quem rouba, peca.

Com essas dificuldades pessoais o governar é uma tarefa que fica mais complicada a medida que os problemas se empilham. Uma alternativa para lidar com essa dificuldade é botar a culpa em outros poderes (STF e Congresso); outra é acusar bodes expiatórios (PT e comunismo). Criar e fomentar crises (voto impresso, ataques a ministros) é mais uma maneira de atrapalhar a própria governabilidade.

Mas a mais comum e mais frequente de todas as táticas para camuflar a incompetência de governar é a dispersão do foco de interesse da nação (pandemia, desemprego, alta da inflação, êxodo de empresas estrangeiras, desconfiança do mercado, miséria) com o uso de duas formas de disseminação de ideias para dissimulá-la: a difusão de mentiras, como fake news e fake facts – desinformação, informação falsa e mentira pura e simples – e a difusão de ideias e fatos que provoquem medo, e assim imobilizem a população.

Os fatos previstos para sete de setembro, que são, inclusive, convocados pelo próprio presidente, estão nessa última alternativa. Além da mobilização popular pró Bolsonaro não vai acontecer nada, nem o Supremo vai cair, nem o Congresso vai votar novamente a reforma eleitoral, nem as Forças Armadas vão contribuir para um golpe.

Pode ter invasão do Congresso e do Supremo? Vai depender do compromisso do governo Ibaneis com a democracia. Pode ter quebra-quebra? Pode ter confronto com opositores do governo? É possível, mas o concreto, real e objetivo, é que Bolsonaro imobilizou o país com as ameaças de sete de setembro e capturou as mentes com esse medo, mais uma vez desviando o foco da sua dificuldade em governar.

E assim de crise em crise chegaremos ou as eleições de outubro de 2022 ou a alguma manifestação do Congresso ou dos tribunais superiores. Em tempos de crise permanente só as duvidas são certas.