CULPA E RESPONSABILIDADE

Em 21 de dezembro de 2021 – Redação – Por Sylvain Levy Médico e Psicanalista

Ninguém precisa se defender de ter convicções, mas sim defende-las. Também não deve ser culpabilizado pelos seus pensamentos ou pelas suas convicções, mas deve ser responsabilizado pelas suas ações quando delas derivadas.

 O presidente Bolsonaro não pode ser condenado por acreditar que o estado é seu e pensar que pode demitir um funcionário público por que atrapalhou o investimento de um amigo ou aficionado, mas pode e deve ser responsabilizado pela demissão do servidor, quando isso acontecer.

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Ele tem a firme convicção de que o IBAMA, e mais que isso, que as leis ambientais e de salvaguarda do patrimônio impedem o progresso e a liberdade de empreendedorismo e das pessoas. Por exemplo, cada um pode pescar onde e como quiser – essa é uma convicção. Entretanto se for multado por um fiscal ambiental, o pensamento do presidente se torna ação quando ele trabalha para demitir o fiscal e reduzir o alcance da fiscalização.

Alguns pensamentos e ações, como esses referidos acima, são mais facilmente constatados em suas sequencias e consequências. Nesses casos, ainda podem ser lembrados: a substituição do comando da Policia Federal, onde a convicção é de que ele deveria proteger a família e os amigos (“vou deixar fuder meus filhos e meus amigos”?) e cuja ação  de nomeação de Paulo Maiurino concretizou a proposta; a certeza que um ministro terrivelmente evangélico faria a balança da justiça pender para seu lado com a designação de Andre Mendonça.

No entanto, outras situações são de complexidade mais elaborada. Como a convicção de que as pessoas devem ter uma liberdade de escolha similar àquela da pescaria, em relação aos cuidados com a pandemia de COVID 19: manter distanciamento social, ficar em casa, usar máscara e, principalmente, se vacinar. Ou seja, a certeza de que o coletivo deve se subordinar ao individual é o pano de fundo dessas resistências. O que levou, inclusive, um médico – o ministro da Saúde, a ir contra todos os ideários da medicina para se associar ao seu chefe e afirmar que “a liberdade é mais importante que a vida”.  Idealmente, e talvez por alguma construção filosófica, é difícil discordar dessa posição.

Mas é impossível ignorar o trajeto do presidente. Primeiro o presidente negou a pandemia, alardeando “como alarmismo da imprensa”. Depois negou a virulência do vírus: “era uma gripesinha”. Em seguida negou a vacina, tanto para comprar como por seus atributos, que transformariam os inoculados em “jacarés”. Negou poder a quem se cuidava, chamando a todos de ”maricas”. Negou o número de casos e de óbitos, e negou o passaporte de vacinas. Mentiu reiteradas vezes sobre remédios, sobre casos e mortes, sobre interação de vacinas e doenças (HIV). Negou vacinas para adolescentes e, portanto, nada mais lógico que negá-las à crianças. Lógico mas irracional.

Nas palavras do neurocientista ou neurofilosofo Antonio Rosa Damasio, da Universidade do Sul da Califórnia: “se você sabe que pode morrer e não toma a vacina, é irracional e estúpido”.

Tudo pode ser atribuído a pensamentos, mas quando eles são produtos da mente de um presidente da República e são verbalizados, não é possível separar pensamento da ação. Notadamente quando afirma que proibiu a compra de vacinas, que mandou “ripar o pessoal do IPHAN” e que “pediu extraoficialmente os nomes de todos da ANVISA que aprovaram a vacina para criança”, o que desencadeou uma sanha perseguidora e ameaçadora por parte de seus milicianos – físicos e digitais, contra os servidores da ANVISA.

Ou seja, é uma autentica autoincriminação quando o próprio presidente trafega da ausência da culpa da convicção para a responsabilização confessa pela atuação. E o mais surpreendente é a constatação de que nenhum dos órgãos de Estado com poder de chamar a atenção do mandatário pelas suas atitudes e eventualmente puni-lo – Procuradoria Geral de República, Controladoria Geral da União, Comissão de Ética Pública, Senado Federal, Câmara dos Deputados ou STF, tomem qualquer providência.

Por enquanto essa atribuição está delegada à imprensa e às redes sociais.