Saúde mental do policial militar: Relações interpessoais e estresse no exercício profissional

Em 04 de Setembro de 2020 – Artigo extraído PSICOLOGIA ARGUMENTO

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Uma das maiores preocupações da sociedade contemporânea é a segurança do cidadão diante da crescente violência, sobretudo nos grandes centrosurbanos (Silva & Vieira, 2008). Esta é uma condição que convida à reflexão acerca da profissão do policial, que tem como norte de suas atividades a segurança pública. Contudo, este estudo parte do pressuposto de que a atividade profissional dos policiais os coloca cotidianamente em situação de estresse, pela frequência com que lida com a agressividade e morte, em concordância com dados apresentados na literatura sobre o tema (Costa, Accioly, Oliveira & Maia, 2007; Dela Coleta & Dela Coleta, 2008).

Portanto os policiais têm suas condições laborais, ambientais fundamentadas pelo risco. O risco entendido como o perigo, o local e a frequência da ocorrência de fatalidades, tudo associado a ousadia e afronta que são inerentes à atividade policial diante de tais acontecimentos. Em grande parte das situações, o policial vê a definição de suas ações e de seu trabalho, calçado na surpresa dos acontecimentos e no curto espaço de tempo para delinear sua ação. É preciso, rapidamente, reconhecer expressões faciais, movimentos corporais, humor e as intenções de outras pessoas ou de outros organismos que estão ao nosso redor. Segundo Ornstein (1998), essa capacidade de avaliar as situações imediatas formam a base da inteligência social. Além desta característica, o estudo de Minayo, Souza e Constantino (2007) revelou que policiais que sofreram elevado risco na prática profissional foram os que mais experienciaram violência, como ferimento por projétil de arma de fogo ou por arma branca, agressão física,
violência sexual, tentativa de suicídio e tentativa de homicídio.

Essa excessiva exposição a riscos e violência, juntamente com as cobranças de eficiência da sociedade e as precárias condições de trabalho no âmbito nacional, constituem fenômenos que atribuem ao policial um status de destaque entre os servidores que mais sofrem de estresse (Souza Franco,
Meireles, Ferreira & Santos 2007). Não o bastante, também lhe é atribuída a competência de tomar decisões e intervir em situações complexas, envolvendo questões de vida humana em um contexto de forte tensão (Costa et al., 2007), em uma sociedade que apresenta um aumento crescente nos dados de violência e criminalidade com respostas de políticas públicas empobrecidas no âmbito social e de infraestrutura (Silva & Vieira, 2008).

Os fatores estressantes a que o policial é submetido no exercício de sua profissão podem então, ser compreendidos como um processo de sofrimento psíquico que interfere em suas respostas às demandas laborais (Souza et al., 2007). Além disso, o estresse interfere prejudicando a qualidade das relações interpessoais, gerando um mecanismo de retro-alimentação negativa, ou seja, a qualidade das relações interpessoais é indicador da quantidade de estresse presente na vida das pessoas e também
contribui como importante fator gerador do mesmo. Dessa forma, queda na capacidade de produzir interações satisfatórias, tanto na dimensão pessoal
quanto profissional, possui estreitas relações com qualidade de vida e saúde dos indivíduos (Lipp, 1996; Minayo & Souza, 2003).

Sendo assim, estudar questões acerca do estresse e do relacionamento interpessoal entre os policiais é primordial para a compreensão da saúde
mental dessa categoria, e seus resultados podem apontar melhorias a serem implementadas na formação e educação permanente destes. Tendo em
vista que as reflexões e pesquisas acerca da saúde do trabalhador policial são escassas, conforme pesquisa que descreveu o perfil do que foi publicado na área de saúde do trabalhador no século XXI e apontou que a profissão menos estudada entre os trabalhos analisados foi a dos militares, com 2,35% do total (Bezerra & Neves, 2010).

No Brasil, as limitações desses estudos podem ser decorrentes de dois fatores essenciais, o primeiro seria a influência histórica do regime militar que ainda silencia os fenômenos que envolvem as atividades práticas destes servidores; o segundo seria os rígidos princípios de hierarquia e disciplina que são a base da organização burocrática da polícia ainda enraizada no século XIX, revitalizando a lógica de preservação de interesses da corporação, inviabilizando profundas mudanças que acompanhem a dinâmica da sociedade (Silva & Vieira, 2008).

Também considera-se nesta discussão o princípio básico apresentado no VIII Congresso das Nações Unidas para Prevenção do Crime e o Tratamento de Delinquentes – Consenso de 7 de setembro/1990 – ONU -It.21 – “Los gobiernos y sectores responsables por la aplicación de la ley, tendran que proporcionar orientación en salud a todos los encargados de la Seguridad Publica” (ONU, 1990). Princípio que fundamenta a orientação quanto a importância de uma investigação sobre as condições de saúde, especialmente saúde mental, no exercício do policiamento operacional e aponta a responsabilidade do Estado nesse processo.

Alguns estudos nacionais investigaram fatores ligados à saúde mental de policiais (Silveira et al., 2005), como também a relevância de variáveis psicológicas para a previsão de comportamento desviante (Brito & Goulart , 2005). Esses trabalhos demonstram o interesse e a relevância do estudo sobre variáveis psicológicas relacionadas à saúde e ao bom desempenho profissional dos policiais.

Um estudo brasileiro, com o objetivo em diagnosticar a ocorrência e a fase de estresse e de determinar a prevalência de sintomas físicos e mentais em policiais militares, contou com a participação de 264 indivíduos. Os resultados apontaram que um total de 47,4% da amostra apresentou sintomatologia de estresse, destes 3,4% encontravam-se na fase de alerta, 39,8% na fase de resistência, 3,8% na fase de quase-exaustão e 0,4% na fase de exaustão. Sintomas psicológicos foram registrados em 76,0% dos policiais com estresse, e sintomas físicos, em 24,0%. Das variáveis investigadas, a única que apresentou relação com estresse foi o sexo sendo as mulheres as mais afetadas. Os autores concluíram que os níveis de estresse e de sintomas não indicaram um quadro de fadiga crítico, porém indicaram uma ação preventiva, que poderia incluir a aplicação de um programa de diagnóstico, orientação e controle do estresse (Costa et al., 2007).

Para a constituição das variáveis deste estudo utilizou-se como referência outros estudos científicos, especialmente o de Violanti (1999) que tivera o objetivo de verificar o efeito do tempo de serviço na percepção de estresse do policial. Foram testadas as hipóteses de que policiais passam por estágios transitórios em suas carreiras e que esses estágios interferem na percepção do estresse por parte dos mesmos. Participaram do estudo 500 policiais distribuídos aleatoriamente entre 21 organizações policiais na parte ocidental do estado de Nova York, EUA.

Os resultados foram consonantes com as hipóteses dos estágios de carreira definidos em quatro fases. O estágio de alarme: ocorre durante os primeiros cinco anos, e o comportamento pode ser equiparado ao “choque da realidade”. É uma situação verificada pelo policial recém-formado de que o trabalho real de polícia é bem diferente da sua expectativa, e daquele aprendido durante o seu curso de formação. O estresse tenderá a crescer intensamente durante esse estágio. O estágio de desencanto: ocorre durante o sexto ano e continua até o meio da carreira (12-14 anos). O estresse ainda deve continuar a aumentar durante este estágio, porque os ideais aprendidos nos cursos de formação tornam-se cada vez mais distantes. Assim, nessa fase, os policiais tornam-se desencantados com a falta de apreciação de seu trabalho e apresentam uma sensação de fracasso pessoal, por se sentirem incapazes de lidar com as exigências do policiamento. O estágio de personalização: dos 14 aos 20 anos de carreira os policiais atravessam um estágio de personalização. O policial começa a buscar novas perspectivas e cria alternativas pessoais, em detrimento das metas de trabalho. Aqui, os policiais buscam as metas individuais e passam a não se inclinar mais para os ideais da instituição comuns no início da carreira.

Essa mudança de valores pode ter um efeito decrescente no estresse. O estágio de introspecção: esse período após os 20 anos de serviço torna-se um tempo de reflexão para os policiais.

É um período que tende a torná-los “saudosistas”, no qual irão pensar nos primeiros anos da carreira como “os velhos bons tempos”. É uma época na qual os policiais, de algum modo, encontram-se mais seguros em relação à carreira. E os níveis de estresse diminuem ainda mais (Violante, 1999).

Portanto, as variáveis que compõem este trabalho compreendem os estágios de carreira profissional correlacionados às relações interpessoais e aos níveis de estresse destes servidores. O objetivo foi verificar o efeito do tempo de carreira nos níveis de estresse e nas características de relacionamento interpessoal entre os policiais alunos dos cursos de formação de oficiais da Policia Militar de um estado brasileiro. É de grande valia a busca de melhores condições de trabalho e de vida dos policiais militares, como forma de se alcançar as metas definidas pela organização e a melhora da qualidade dos serviços prestados à sociedade.

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https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/20507/19761