Militar da reserva não pode ser expulso por crime após aposentadoria
Em 19 de Agosto de 2020 – Redação com Informações Conjur e TJDFT
Se a passagem do militar para a reserva foi concedida seguindo o mandamento jurídico, a revisão desse ato ou mesmo sua cassação só podem ocorrer por questões ocorridas até a aposentadoria. Com esse entendimento, a juíza Catarina de Macedo Nogueira Lima e Correa, da Vara de Auditoria Militar, concedeu mandado de segurança a pedido de um militar excluído da corporação.
O autor da ação foi transferido para a reserva remunerada em julho de 2014. Em maio de 2015, cometeu crime doloso contra a vida que depois viria a ser a causa de sua expulsão da corporação, em decisão do comando geral da Polícia Militar do Distrito Federal.
“Com efeito, a passagem da parte autora para a reserva remunerada foi concedida diante do preenchimento de requisito necessário para tal, ou seja, em conformidade com o seu regime jurídico, cuja revisão ou até mesmo a cassação devem estar atreladas a questões ocorridas até a efetivação do ato de aposentadoria, e não por fatos ocorridos após a inatividade”, afirmou a magistrada.
“Do contrário, estar-se-ia ferindo não só o ato jurídico perfeito, como o próprio direito adquirido do autor”, concluiu.
O policial foi defendido no caso pelo advogado Renato Araújo. “Entendo que a decisão foi correta prevalecendo a ordem constitucional e a garantia dos direitos adquiridos, pois não havia fundamento legal para o cliente perder sua remuneração. Agora, ele receberá inclusive os retroativos a partir da data de ingresso da ação”, explicou.
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0751615-07.2019.8.07.0016
https://www.conjur.com.br/dl/militar-nao-expulso-crime-aposentadoria.pdf
Número do processo: 0751615-07.2019.8.07.0016
Classe judicial: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120)
IMPETRANTE: SIDENIO RODRIGUES ZEFERINO
IMPETRADO: GDF GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL, COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA
MILITAR DO DISTRITO FEDERAL
SENTENÇA
I. RELATÓRIO
SIDENIO RODRIGUES ZEFERINO impetrou o presente mandado de segurança em face de ato do DISTRITO FEDERAL, em razão de ato coator praticado pelo COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL, consistente na execução de despacho decisório que determinou
sua exclusão das fileiras da corporação (id 47413169).
A liminar pretendida foi indeferida (id 47984672).
A autoridade apontada como coatora apresentou informações (id 7655660).
O Ministério Público informou não vislumbrar interesse de intervenção ministerial nos presentes autos (id 60095214).
A Procuradoria do Distrito Federal requereu o julgamento do feito (id 63070421).
Os autos vieram conclusos para julgamento.
É o relatório. DECIDO.
II. FUNDAMENTAÇÃO
O Princípio da Separação dos Poderes, como sabido, impõe ao Poder Judiciário o dever de não intervir nos atos praticados pelos demais Poderes, senão quando eivados de ilegalidade ou abuso de poder, sob pena de subversão da ordem democrática. O mérito do ato administrativo, na mesma esteira, revela-se insindicável, senão, como já dito, para declarar a existência de mácula na formação do próprio ato, por vício de competência, forma, finalidade, motivo ou objeto, elementos do ato administrativo.
Feitas as necessárias digressões, cinge-se a presente demanda à suposta nulidade de ato administrativo emanado do Distrito Federal, que determinou a exclusão do impetrante das fileiras da corporação, ocasionando a cessação do pagamento de proventos.
II.1. Da legalidade do procedimento administrativo
Quanto a alegada nulidade do procedimento administrativo que resultou na exclusão do impetrante das fileiras da corporação, razão não lhe assiste.
No que tange à anulação do Conselho de Disciplina nº 2015.001.0137.0041, instaurado pela Portaria PMDF de 30/12/2015, verifica-se que, de fato, em 18/10/2017 o Governador do Distrito Federal anulou o Relatório Correicional e o Despacho Decisório, por ofensa aos princípios do contraditório e ampla defesa.
Referida decisão determinou “o retorno dos autos ao Colegiado do Conselho de Disciplina para inédito julgamento do Recurso de Reconsideração de Ato, com a consequente Conclusão e Relatório circunstanciado, para posterior remessa ao Comandante-Geral da PMDF para proferir novo Despacho
Decisório” (id 47414061).
Em obediência à decisão proferida, o COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO DISTRITO FEDERAL, tendo em vista a orientação proferida no Parecer nº 1.051/2017-PRCON/PGDF e a análise constante do Parecer Correicional nº 014/2018- ATJ/DCC/PMDF (id 47415493, págs. 86-98), elaborou novo Despacho Decisório determinando a exclusão do impetrante (id 47415493, pág. 100).
Foi dada ciência dessa decisão ao impetrante em 30/04/2018 (id 47415493, pág. 116).
No dia 09/05/2018 o impetrante requereu a prorrogação do prazo recursal (id 47415493, págs. 124-128), sendo a Defesa cientificada da prorrogação no dia 11/06/2018 (id 47415493, pág. 216) e realizou carga dos autos.
Em 26/06/2018, foi apresentado o recurso endereçado ao Comandante Geral (id 47415493, págs. 226-255), que o encaminhou ao Governador, autoridade com competência para julgar o recurso decorrente da decisão do Comandante Geral.
No dia 07/08/2018 o Governador anulou a notificação que reabriu prazo para a defesa e concedeu 10 dias para o exercício do direito de recorrer, decisão esta que foi dada ciência ao ex-CB SIDÊNIO no dia 31/08/2018, conforme informações prestadas pela autoridade coatora (id 57655660).
Assim, não prospera a alegação de que “o autor não foi notificado de absolutamente nada relacionado ao processo em questão”. Pelo contrário, verifica-se que o impetrante foi devidamente cientificado dos atos praticados.
Como não houve recurso, no dia 07/05/2019 o Corregedor declarou o trânsito em julgado da decisão de exclusão, tendo sido efetivamente excluído da Corporação pela Portaria PMDF nº 232, de 23/05/2019
(DODF edição extra nº 36).
Pelo exposto, não há que se falar em nulidade do procedimento administrativo, uma vez foi assegurado ao impetrante a observância de todas as garantias constitucionais previstas, principalmente, os princípios do Devido Processo Legal, Contraditório e Ampla Defesa.
II.2. Da impossibilidade de cassação dos proventos por conduta praticada na inatividade Restou comprovado nos autos que o impetrante foi transferido para a reserva remunerada em julho de 2014, conforme Portaria nº 143, de 11 de julho de 2014, publicada no Diário Oficial do Distrito Federal em 17 de julho do mesmo ano (id 47414196).
Já o ato delituoso que levou a exclusão do impetrante ocorreu entre em 09 de maio de 2015 (id 47415016, pág. 4), quando ele não mais se encontrava na ativa.
Com efeito, a passagem da parte autora para a reserva remunerada foi concedida diante do preenchimento de requisito necessário para tal, ou seja, em conformidade com o seu regime jurídico, cuja revisão ou até
mesmo a cassação devem estar atreladas a questões ocorridas até a efetivação do ato de aposentadoria, e não por fatos ocorridos após a inatividade. Do contrário, estar-se-ia ferindo não só o ato jurídico perfeito,
como o próprio direito adquirido do autor.
A par disso, a exclusão da corporação ocorreu quando já estava em vigor a seguinte redação da Lei n. 10.486/2002, conforme alterações promovidas pela Lei nº 12.086, de 2009:
“Art. 23. Cessa o direito à percepção dos proventos na inatividade na data:
I – do falecimento do militar;
II – da cassação da situação de inatividade. .
III – (revogado).
Parágrafo único. Será cassada a situação de inatividade do militar que houver praticado, quando em atividade falta punível com a demissão ou exclusão a bem da disciplina.
No mesmo sentido, trago aresto deste Eg. Tribunal:
“MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL MILITAR INATIVO. PRÁTICA DE CRIME DURANTE A ATIVIDADE. TORTURA. CONDENAÇÃO EM PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E PERDA DO CARGO. EXCLUSÃO DA APOSENTADORIA. POSSIBILIDADE. 1. Nos termos do art. 23, da Lei nº 10.486/02, o militar terá cassada sua situação de inatividade quanto houver cometido em atividade falta punível com pena de demissão ou exclusão a bem da disciplina.2. De forma complementar, o artigo 112, da Lei nº 7.289/84, determina que a exclusão a bem da disciplina será aplicada ao militar quando condenado, por Tribunal Civil ou Militar, à pena restritiva da liberdade superior a 2 (dois) anos ou nos crimes previstos na legislação concernente à segurança do Estado à pena de qualquer duração. 3. Recurso conhecido e desprovido. (Acórdão 1099615, 20150111433152APC, Relator: MARIA DE LOURDES ABREU, 3ª TURMA CÍVEL, data de julgamento: 23/5/2018, publicado no DJE: 5/6/2018. Pág.: 458/461).”
Desse modo, como a falta foi cometida quando o impetrante já estava há quase um ano na inatividade, não há amparo legal para cassação dos proventos, a par do parágrafo único do art. 23 da Lei nº 10.486/2002.
II.3. Conclusão
Por fim, saliento que a exclusão do impetrante das fileiras da corporação não se confunde com a cassação da inatividade do militar.
Nesse sentido, permanece válida a Portaria nº 232, de 23 de maio de 2019 (DODF edição extra nº 36), a qual excluiu o impetrante a bem da disciplina, entretanto, diante do silêncio eloquente do parágrafo único do art. 23 da Lei nº 10.486/2002, não há base legal para a cassação de sua inatividade.
III. DISPOSITIVO
Diante do exposto, CONCEDO PARCIALMENTE A SEGURANÇA, apenas para determinar o restabelecimento da situação de inatividade do impetrante com as garantias de todos os direitos a esta inerentes, devendo o impetrado promover o pagamento dos proventos por ventura não realizados desde o ajuizamento da inicial (16/10/2019), nos termos do art. 14, § 4º, da Lei 12.016/2009.
Assim, declaro resolvido o mérito, com fulcro artigo 487, inciso I, do Novo Código de Processo Civil.
DEFIRO os benefícios da Justiça Gratuita ao impetrante, conforme requerido na petição inicial (47413169).
Deixo de condenar o Distrito Federal no pagamento das custas processuais, eis que o mesmo é isento (art. 1º do Decreto-Lei nº 500, de 17/03/1969).
Sem honorários, nos termos do art. 25 da Lei nº 12.016/2009 e dos Enunciados de Súmulas 512 do STF e 105 do STJ.
Sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição, nos termos do art. 14, §1º da Lei 12016/2009.
Transitada em julgado, arquivem-se.
Publique-se. Intimem-se. Comunique-se.
Brasília/DF, 19 de maio de 2020.
CATARINA DE MACEDO NOGUEIRA LIMA E CORREA
Juíza de Direito